Filosofia

As 16 primeiras lições da arte da prudência | Baltasar Gracián

1. Tudo alcança a perfeição, e tornar-se uma verdadeira pessoa constitui a
maior perfeição de todas

Fazer um sábio no presente exige mais do que se exigiu para fazer sete no
passado. E atualmente é preciso mais habilidade para se lidar com um só
homem do que antigamente com todo um povo.

2. Caráter e Inteligência

São os pólos que fazem luzir os predicados. Um sem a outra é apenas meia
felicidade. Não basta ser inteligente; é preciso também ter o caráter apropriado.
O tolo fracassa por desconsiderar sua condição, posição, origem, amizades.

3. Manter o suspense

O êxito inesperado ganha admiração. O que é obvio não é nem inútil, nem de
bom gosto. Não se declarar de imediato atiça a curiosidade, em especial se a
posição é importante o bastante para causar expectativas. O ministério, por
sua característica arcana, provoca a veneração. Mesmo ao se revelar, evita a
franqueza total e não permite que todos venham a franquear o seu íntimo. É no
silencio cauteloso que a sensatez se refugia. As decisões, uma vez declaradas,
nunca granjeiam estima e expõem à censura. Se desacertadas, estará
duplamente desgraçado. Se quiser atenção e desvelo, imite a divindade.

4. Conhecimento e coragem se alternam na grandeza

Sendo imortais, imortalizam. Você é um tanto quanto sabe, e se for sábio é
capaz de tudo. Homem sem saber, mundo às escuras. Discernimento e força;
olhos e mãos. Sem valor, a sabedoria é estéril.

5. Criar dependência
Faz-se um deus não adorando a estátua, mas adorando-a. O sagaz prefere
necessitados de si do que agradecidos. A gratidão vulgar vale menos do que a
esperança cortês, pois a esperança tem boa memória e a gratidão é
esquecida. Obtém mais da dependência que da cortesia. Quem já matou a
sede dá as costas à fonte, e a laranja espremida passa de ouro a lodo. Finda a
dependências, desaparecem as boas maneiras, bem como estima. A lição mais
importante que a experiência ensina é conservar a dependência, e nutri-la sem
satisfazê-la, mesmo diante de um rei. Mas não chegue a extremos, calando
para que os outros errem ou tornando o mal incurável em proveito próprio.

6. Alcançar a perfeição
Ninguém nasce perfeito. Deve se aperfeiçoar dia a dia, tanto o pessoal quanto
profissionalmente, até se realizar por completo, repleto de dotes e de
qualidades. Será reconhecido pelo requintado gosto, inteligência aguda,
intenção clara, discernimento maduro. Alguns nunca se realizam, falta-lhes
sempre alguma coisa. Outros requerem um longo tempo para se forma. O
homem completo – sábio de expressão, prudente nas ações- é aceito, e até
desejado para privar do seleto grupo dos discretos.

7. Não eclipsar o patrão

Toda derrota provoca ódio, e superar o chefe tanto é tolo quanto fatal. A
supremacia é sempre detestada, em especial pelos supervisores. O sábio deve
ocultar as vantagens comuns, assim como se disfarça a beleza com um toque
de desalinho. A muitos não incomoda ser superado em riqueza, caráter ou
temperamento, mas ninguém, em especial um soberano, gosta que lhe
excedam em inteligência. Trata-se, afinal, do maior dos atributos, e qualquer
crime contra ele constitui lesa- majestade. Os soberanos querem sê-lo no que
é mais importante. Os príncipes gostam de ser ajudados, mas não
sobrepujados. Ao aconselhá-los, faça-o como se os lembrasse de algo
esquecido, não como se acendesse a luz que ele é incapaz de ver. Os astros
nos ensinam tal sutileza. São filhos e brilhantes, mas nunca rivalizam com o
sol.

8. Não ceder a paixões: a qualidade espiritual mais elevada.

Que sua superioridade o redima de impressões comuns, passageiras. Não há
maestria maior que o domínio sobre si próprio e as paixões: é o triunfo do livre-arbítrio.

A paixão pode até afetá-lo, mas não permita que afete sua posição, muito menos se esta for importante. Trata-se de uma maneira sensata de evitar problemas e um caminho mais curto para se obter a estima dos outros.

9. Desmentir os defeitos de seu país.

A água absorve as boas e más qualidades dos leitos que percorre; os homens
partilham as da região em que nascem. Alguns devem mais que outros a seu
país ou cidade natal, pois nasceram sob céus auspiciosos. Nenhum país, nem
mesmo o mais oculto, deixa de ter um defeito peculiar, e tais fraquezas servem
de defesa ou consolo às nações vizinhas. É vitoriosa destreza corrigir, ou ao
menos ocultar, tais falhas. Agindo assim, você será reverenciado como único
entre seu povo; pois o menos esperado é o mais valorizado. Outros defeitos
têm como causa a linguagem, a condição, a ocupação e a idade. Todos esses
defeitos, quando coincidem num único sujeito e não se toma nenhum cuidado
para preveni-lo e corrigi-los, produzem um monstro insuportável.

10. Fama e fortuna

O que uma tem de inconstante, a outra, de firme. A última nos ajuda a viver, a
primeira nos ajuda mais tarde mais tarde. A fortuna contra a inveja, a fama
contra esquecimento. Podemos desejar a fortuna, e ás vezes nutri-la com
nossos esforços, mas toda fama exige trabalho constante. O desejo de
reputação nasce da virtude, a fama foi e é irmã de gigantes. Anda sempre
pelos extremos: monstros ou prodígios, vitupérios e elogios.

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