Filosofia

Como os filósofos trabalham questões éticas? Utilitarismo e Deontologia explicados

Muita vezes assistimos debates sobre o que é considerado certo e o que pode ser considerado errado. Mas você já parou para pensar como os filósofos lidam com a Moral? Preparamos um artigo que coloca esse debate em discussão a partir de depois pontos de vista: a ética deontológica e a ética utillitarista.

O presente artigo tem carácter introdutório. Em um primeiro momento, será feita uma apresentação da ética deontológica. Em um segundo momento, será realizado uma apresentação da ética utilitária. Em um terceiroso momento, será feito uma análise de duas situações e verificar como cada uma delas responde ao dilema. Por fim, tentaremos apontar qual destas éticas fornece uma melhor resposta aos problemas éticos expostos.
INTRODUÇÃO:

Se quisermos responder à questão “como devemos agir?”, devemos nos aprofundar no estudo sobre ética. Para responder esta pergunta, neste trabalho, escolhemos dois candidatos: O utilitário e deontológico. No entanto, escolher entre uma posição ou outra é extremamente difícil. Por vezes, tanto os utilitaristas quanto os deontologistas parecem nos fornecer uma resposta contra intuitiva para nossa pergunta. Embora este pequeno artigo não tenha como objetivo dar uma resposta definitiva para a questão, o nosso principal interesse é pensar qual delas lida de maneira mais intuitiva com o mundo. Por um lado, o deontológico carrega a dificuldade de fornecer uma ética baseada nas intuições morais, por outro lado, o utilitário muitas vezes é acusado de prejudicar poucos para
benefícios de muitos.. Esta questão é interessante por si só, e também uma excelente forma de pensar a ética. Não dificilmente, ambas teorias entram em atrito. Ora, o utilitário diz considera que as premissas deontológicas são impraticáveis. Por sua vez, o deontológico argumenta que o utilitarista é muito exigente com os agentes morais. O meu objetivo, portanto, neste primeiro momento é explicar a deontologia do tipo kantiano. No segundo momento, comento sobre o utilitarismo, sobretudo aquele defendido por John Stuart Mill. Por fim, tento responder qual das éticas lida melhor com os exemplos expostos. O presente artigo não tem pretensão de esgotar a questão, mas apenas propor um dialogo entre as duas éticas e fornecer uma resposta provisória para situações particulares.
A ÉTICA UTILITÁRIA

Opto por começar explorando a ética defendida por Immanuel Kant na obra fundamentação da metafísica dos costumes. A fundamentação da metafísica dos costumes 2 , tem um objetivo principal, a saber, buscar o fundamento supremo da moralidade. Porém, Immanuel Kant, diferentemente do que os filósofos haviam feito até então, buscou em sua abordagem princípios éticos separados do mundo sensível. Podemos observar, ainda no prefácio de seu livro:

Não tendo propriamente em vista por agora senão a filosofia moral, restrinjo a
questão posta ao ponto seguinte: – Não é verdade que é da mais extrema necessidade
elaborar um dia uma pura filosofia moral que seja completamente depurada de tudo
o que possa ser somente empírico e pertença á antropologia? (Kant, fundamentação
da metafísica dos costumes,15)

Ou ainda:

A presente fundamentação nada mais é, porém, do que a busca e fixação do
princípio supremo da moralidade, o que constitui só por si no seu propósito uma
tarefa completa e bem distinta de qualquer outra investigação moral. É verdade que
as minhas afirmações sobre essa questão capital tão importante e que até agora não
foi, nem de longe, suficientemente discutida receberiam muita clareza pela aplicação
do mesmo princípio a todo o sistema e grande confirmação pelo facto da suficiência
que ele mostraria por toda parte (Kant, fundamentação da metafísica dos costumes,
19-20)

Este primeiro passo sugere os objetivos de Kant. O presente autor quer pensar em uma moral afastada do mundo empírico para localizar princípios universais e necessários válidos para todos os seres racionais. Caso aja uma criatura vinda de outro mundo, se for racional, também adotaria tais princípios distante da experiência. Mas, por que uma metafísica dos costumes? O filósofo alemão ao se referir ao ser humano, nunca o adjetiva apenas como criatura racional, mas sim como criatura racional sensível. Devemos estar atentos a esta dupla característica. A diferença basicamente é que não tomamos escolhas racionais a toda momento. Em algumas ocasiões, nossas inclinações (paixões) nos motivam a agir. A metafísica dos costumes, investiga a fonte dos princípios
morais sem recorrer ao mundo sensível. O mundo sensível se caracteriza pela contingência, ou seja, tudo pode mudar a qualquer momento. Mas a sugestão é encontrar princípios imutáveis da moralidade, ou melhor, em sua pureza e autenticidade. O cenário a priori que 2 Lançada no ano de 1785, é a primeira obra de Immanuel Kant pensando a filosofia prática. Também chamada
de GMS.

Kant sugere não tem espaço para variação da moral. Por isso mesmo, buscar em seus princípios puros e não naqueles misturados com o contato com o mundo físico.
A obra está dividida em três seções: A primeira seção é transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico. A segunda seção é a transição dfilosofia moral popular para a Metafísica dos Costumes. E a terceira seção está intitulada como último passo da Metafísica dos costumes para a crítica da Razão pura prática. O conceito de boa vontade, importante para nosso trabalho e para o projeto kantiano, aparece logo na primeira seção:

Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade.
Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de julgar e como quer que possamos chamar-se os demais talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida a muitos respeitos coisas boas e desejáveis, mas também pode tornar-se extremamente más e
prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja constituição particular por isso se chama carácter, não for boa. O mesmo acontece
com os dons da fortuna. Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e contentamento com a sua sorte, sob o nome de felicidade são ânimo que muitas
vezes desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija a sua influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê utilidade geral
(Kant, fundamentação da metafísica dos costumes, 21-21)

Desta maneira Kant abre a primeira seção. Podemos perceber que o filósofo concebe uma única coisa boa em si mesma. Devemos prestar atenção que não é o caso de negar que existem outras coisas boas, mas boa em absoluta, somente a boa vontade. Ao contrário, as pessoas sem boa vontade, carecem de algo valioso. Por exemplo, uma pessoa de sangue frio, carente de boa vontade, pode acabar se tornando um criminoso cruel e abominável. O que é valioso acerca dos seres humanos, portanto, é esse valor que vale por si. Para desenvolver, porém, o conceito de uma boa vontade altamente estimável em si mesma e sem qualquer intenção ulterior, conceito que reside já no bom senso natural e que mais precisa de ser esclarecido do que ensinado, este conceito que se pre no cume da apreciação de todo o valor das nossas ações e que constitui a condição de todo o resto, vamos encarar o conceito de dever que contem em si o de boa vontade
(Kant, fundamentação da metafísica dos costumes, 26)

Kant acredita que a moral do senso comum já tem a noção de boa vontade em seu pensamento. Então, a proposta é clarificar e não ensinar o que as pessoas no cotidiano já sabem e até adoram em suas condutas. Por isso, começa falando do conhecimento moral da
razão vulgar. Como Kant disse anteriormente, a boa vontade é como uma joia que brilha por si mesmo. Com esse exemplo, Kant quer chamar atenção para seu valor intrínseco. Por exemplo, uma ação intrinsecamente boa é uma ação por dever, ou seja, uma ação de fato moral. Desinteressada por benefícios. Um exemplo pode tornar mais claro o que quero explicar. Keberson ajudou um morador de rua doando comida para o mesmo. Se Keberson assim procedeu por acreditar que a vida merece ser conservada, agiu por dever. Agora, se pensarmos que Keberson tomou tal atitude por status (por exemplo ser fotografado e ganhar curtidas no
Facebook), a ação é apenas conforme ao dever. Ajudar o morador pode ter sido a realização de um bem, porém não um bem em si mesmo.
Na segunda proposição o filósofo alemão explica que às ações praticadas por dever em seu valor moral na máxima 3 que a determina. Essa noção é de extrema importância para a ideia de imperativo categórico. Isso significa que devemos observar aquelas ações que não possuem como motivação para o agir algum propósito em específico. Para elucidar tal ponto devemos questionar à vontade. Observamos este importante trecho da segunda seção:

Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir
segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma
vontade. Como para derivar as ações das leis é necessário a razão, a vontade não é
outra coisa senão a razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as
ações de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, são
também subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só
aquilo, que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente
necessário, quer dizer como bom. (Kant, fundamentação da metafísica dos
costumes,50)

Sally Sedgwick explica que a razão prática tem um tipo sui generis de força causal. Ou seja, a razão prática ou vontade, tem a missão de influenciar nossas ações. Alerta ainda que o ser racional pode se apresentar de dois modos. Primeiramente, pode se apresentar como aquele onde a razão impera de forma infalível. E naqueles onde ocorre o oposto. Isso que Kant quer dizer com a distinção entre “objetivamente necessário” e “subjetivamente

3 Ou, princípio subjetivo do querer.

necessário”. Porém, o importante a destacar é que a vontade infalível é incapaz de seguir
máximas que entram atrito com o dever. A terceira proposição, que segue a partir das outras duas trabalhas aqui, é manifesta da seguinte maneira: Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. E só pode ser respeito aquilo que está ligado à minha vontade somente como princípio. Mais notavelmente, isso
significa que ela deve se constituir como fim em si mesmo e nunca como meio. Somente o ser racional pode seguir a representação da lei moral, por consequência, a moralidade se efetiva nos agentes morais que seguem tais representações. A possibilidade de agir moralmente começa a aparecer dentro do projeto kantiano (que
aqui for explicado rapidamente). Basta observarmos aquilo que é objetivamente necessário. Como observamos este aspecto objetivo? Observando os imperativos. Eles revelam uma lei objetiva por meio dos mandamentos da razão. Lança mão para dois tipos de imperativos.
Aqueles que servem como meio para algo são denominados como hipotéticos. Os imperativos que contém uma ação boa em si mesmo são chamados de categóricos.
A boa vontade até aqui foi lançada como uma estratégia para derivar o princípio da moralidade. Acredito que a apresentação destes elementos, ainda que apresentados brevemente, já nos permitem discutir sobre o tema do nosso trabalho.

A ÉTICA UTILITÁRIA

Seguindo a abordagem estabelecida na seção anterior, vamos tentar entender os principais desenvolvimentos da tradição utilitária. O utilitarismo é uma teoria filosófica preocupada com os problemas morais e sociais. Não por acaso são encontradas nos teóricos engajados neste princípio apontamentos vinculados a ordem social. Jeremy Bentham, por exemplo, dedicou-se ao estudo da legislação inglesa, sendo grande crítico de leis baseadas nos
direitos naturais. Assim como Bentham, o também inglês John Stuart Mill se tornou popular por defender publicamente o direito ao voto das mulheres. Evidentemente, muitos outros nomes de peso da tradição utilitária (Adam Smith, David Hume, Peter Singer) colaboraram
significantemente com críticas ácidas à sociedade. Embora todos os autores até aqui citados sigam a ideia utilitarista, há muitas subposições da teoria em questão. No que tange o presente trabalho, concentro-me no ensaio
O utilitarismo, do já mencionado John Stuart Mill. Segundo Mill, há muitas confusões de

interpretação quanto ao sentido entendido por utilitarismo. Por essa razão, neste primeiro momento, comentamos sobre este princípio.

O credo que aceita a utilidade, ou o Princípio da maior felicidade, como
fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que
tendem a promover a felicidade, erradas ao passo que tendem a produzir o reverso
da felicidade. Por felicidade, entende-se o prazer e a ausência de dor, por
infelicidade, a dor e a privação de prazer. (Mill, 2014, p.98)

Observando o trecho citado 4 , percebemos que nosso autor cria um vínculo entre ética, prazeres e felicidade. Sendo a felicidade o fim último, ou seja, o objeto que deveria ser almejado pela maioria dos envolvidos. É importante notar que Mill pretende fornecer uma
prova empírica ao utilitarismo como alternativa a moralidade popular de sua época 5 . Sua teoria está projetada em uma teoria do valor hedonista. Dessa maneira, a teoria apregoa uma continuidade do prisma de que a felicidade reside nos prazeres, como aquela defendida por Bentham. Contudo, afasta-se de seu mentor ao pensar os prazeres de forma qualitativa 6 . Voltando a definição de Mill, devemos nos atentar a dois momentos de seu enunciado: sua teoria do valor e sua teoria da obrigação moral. Em primeiro lugar, começo comentando sobre sua “teoria do valor”. Sugiro que façamos a reflexão: O que torna a vida de um agente boa? Seguindo o Hedonismo, a nossa resposta poderia ser: encontrar o prazer e evitar a dor. Contudo, devemos fazer uma ressalva quanto ao status do prazer. O ser humano, portador de faculdades superiores, busca prazeres elevados 7 : intelectuais, morais e não aqueles que satisfazem apenas as vontades individuais. Ora, a alegação de que existem prazeres superiores deve ser justificada, afinal como explicar para alguém que um prazer tem maior valor em relação a outro? Como justificar que um prazer é preferível? A resposta apresenta se dá por meio do conceito do: “Juiz competente”.

4 No presente trabalho fazemos a leitura agregacionista do utilitarismo, ou seja, o que interessa é o saldo líquido
de felicidade, descontando a dor. A grande questão que nos concentramos é sobre um conceito de justiça que
possa ser compatível com a felicidade
5 A visão empirista de Mill nega o argumento intuicionista de que podemos descobrir a priori os princípios
morais.
6 O argumento de Bentham é que tanto a dor quanto o prazer surgem naturalmente na constituição dos seres
humanos. Este movimento tem como objetivo informar que eles (prazer e dor) podem nos apontar a maneira de
distinguir aquilo que é correto, daquilo que é errado. Desse modo, a moralidade é baseada nestes dois
elementos, ou no vocabulário benthamiano, nestes dois senhores os quais nos colocam como seus escravos. Na
sua formulação elenca sete tipos de valores igualmente importantes para determinar o prazer, são eles:
intensidade, duração, certeza ou incerteza, proximidade ou afastamento, fecundidade, pureza e extensão. Em
resumo, enquanto Bentham mede o prazer por sua duração e intensidade, Mill calcula o prazer pelo elemento da
qualidade. Por isso, Crisp crê que o hedonismo de Mill é mais elegante, sofisticado e coerente.
7 Os críticos do utilitarismo acusam Mill de pregar uma teoria para porcos, visto que até os animais são capazes
de experimentar diversos tipos de prazeres.

“De dois prazeres, se houver um ao qual todos ou quase todos aqueles que
tiverem a experiência de ambos derem uma preferência decidida, independente de
sentirem qualquer obrigação moral para o preferir, então será esse o prazer mais
desejável” (Mill, 2014, 101)

Ou seja, o juiz competente é aquele que experimentou ambos prazeres (prazeres inferiores e prazeres superiores), e consegue nos apontar qual dos prazeres é desejado para sociedade. Infelizmente, e Mill sabe disso, muitas pessoas escolhem os prazeres inferiores em relação aos melhores prazeres elencados pelo juiz competente. Stuart Mill parece entender que a falta de uma educação que proporcione aos indivíduos uma qualidade de vida (ou nascer em condições desfavoráveis), resulta na preferência dos prazeres inferiores. Em segundo lugar, a teoria da obrigação moral, é uma tentativa de resposta a pergunta: Qual a fonte que impulsiona o agir moral dos agentes? Mill elenca duas fontes de obrigação moral, são elas, as sanções externas e internas. Por um lado, as sanções externas, são apresentadas como a esperança de receber benefícios e o receio da desaprovação ( de seus semelhantes e do Soberano Universal) “ a par da simpatia ou afeição que podemos ter por eles, ou do amor a Ele que nos inclina a obedecer a sua vontade independentemente de consequências egoístas”. Por outro lado, as sanções internas tem como objetivo examinar as fontes dos sentimentos morais:

A sanção interna do dever, seja qual for o nosso padrão de dever, é uma e a mesma – um sentimento na nossa própria mente, uma dor, mais ou menos intensa,
concomitante na violação do dever, a qual, em natureza morais devidamente cultivadas, faz com que, nos casos mais graves, a violação se apresente como uma
impossibilidade (Mill, Utilitarismo,133)

Para completar, as sanções internas apontam volições para o ser humano. Nesse momento, o utilitarismo de Mill coloca “um sentimento subjetivo na nossa própria mente como a sanção última do princípio da utilidade 8 ”, em outras palavras, confere aos agentes éticos um sentimento social de igualdade entre as partes e o respeito pelos deveres. O utilitarismo Millseano, como observamos, deseja maximizar a felicidade. Logicamente entende que os seres humanos podem perseguir outras coisas além da felicidade, como por exemplo: a honra e a riqueza. Mas ainda assim a honra e a riqueza são caminhos
para atingir a felicidade. A prova de Mill se dá por meio de seu empirismo hedonista: “A única evidência que algo é desejável é que as pessoas realmente a desejam”. Sustenta que afelicidade geral é um bem para o maior número de pessoas e por isso é preferível em relação a
8 Ou seja, os sentimentos conscienciosos da humanidade. Ainda assim, o filósofo britânico, não acredita em sua
eficiência obrigante.

felicidade individual 9 .

Desse modo, como tudo que perseguimos é um meio para encontrar afelicidade, nada além da felicidade é desejável. A ética se efetivará quando o princípio maximizar a felicidade para o maior número de indivíduos. Ainda que o silogismo pareça estar correto, o problema está apenas se
apresentando. A nossa apresentação surge com a questão: “Quais são as consequências que
devemos esperar?”, “O utilitarismo pensa em todos os envolvidos?”

Exemplos de problemas nas duas teorias
Um tema central para a presente discussão tem levado em conta casos exemplos onde
ambas teorias parecem falhar. Vamos nos concentrar em dois casos populares. Contra os
utilitaristas temos o caso chamado cristão e leões, contra o kantiano temos o caso do
mentiroso. Começamos pelos utilitaristas e a crítica levantada por John Rawls.
O filósofo americano John Rawls, em seu livro Uma teoria da Justiça, coloca críticas
sobre a teoria utilitária que a deixa em evidência negativamente. Segundo Rawls as
consequências geradas pela formula do utilitarismo promovem situações de injustiça. Em
certas ocasiões os agentes morais são obrigados a cometer certas exigências que promoveriam
infelicidade ao invés do esperado.
Alguns dos trabalhos mais importantes sobre utilitarismo (como o de Tim Mulgan)
estão concentrados em responder as críticas de John Rawls. Porquanto o filósofo norte-
americano acredita que todas as vertentes do princípio da maior felicidade estão condenadas a
caírem em injustiça

Caso exemplo
Você é o antigo oficial romano responsável pelo entretenimento no Coliseu. A casa
está cheia. A multidão não está interessada em corridas de charretes ou atletismo, ou mesmo
nos combates de gladiadores. O que lhes daria mais prazer é ver um pequeno grupo de
cristões serem devorados vivos por leões famintos. O utilitarismo diz que você deve servir os
cristãos como alimento aos leões, uma vez que o seu sofrimento é compensado pelo prazer de
muitos milhares de espectadores.

9 Jeremy Bentham nos apresenta este princípio: Cada indivíduo vale um. Em outras palavras, nenhuma vida vale
mais do que outra. Isso permite o olhar imparcial dos utilitaristas. O detalhe é que esta imparcialidade será alvo
de críticas por seus oponentes.

Este é um exemplo clássico que os utilitaristas se deparam. Teríamos enquanto utilitaristas que sacrificar o cristão? Se formos utilitários extremistas a resposta seria positiva. Agora, um caso que coloca os kantianos em apuros.
Caso exemplo:
Um amigo pede para se esconder em sua casa pois está sendo ameaçado de morte.
Você aceita esconde-lo. Você percebe que alguém está batendo em sua porta. Ao abrir a porta
você é interrogado se seu amigo está escondido em sua casa.
Enquanto seguidores da ética deontológica não podemos mentir. Então, parece que a
rigor, somos obrigados a contar a verdade mesmo que isso signifique a morte de um amigo.
Esta observação é feita por Benjamin Constant. Isso ainda levanta a questão sobre nosso
direito de mentir. O que vai contra a moral defendida por Kant.
Então, o que devemos fazer?
Nossos contos, destacam a falibilidade de ações éticas que ambas teorias podem
sugerir que façamos. O erro de ação ocorre devido à forte exigência dos princípios. Uma
mentira é ruim por si só, mas as vezes mentir para não ferir os sentimentos de alguém não
parece ser alguma atitude que deve ser encarada como não permissível. Do mesmo modo, é
difícil aceitar que a tortura de alguém seja aceitável para satisfação do prazer de outros.
Naturalmente pensamos que podemos ser utilitaristas ou deontologistas mais brandos,
em outras palavras, não seguir à risca a lógica que elas exigem. Resultados que acarretam o
sofrimento de outrem devem ser evitados em todos os casos.
O principal ponto que quero destacar aqui é que em algumas situações em específico
as regras vão apresentar resultados indesejáveis. Por isso, devemos abandona-las? A resposta
é: de maneira alguma. O principal é entender que ambas éticas tem seus prós e contras e
ambas deve lidar com estas objeções.
Exploramos, ainda que brevemente, o que são ambas teorias. Procurei destacar que
ambas falham em algumas situações. Mas, apesar de suas falhas, qual delas fornece a resposta
mais satisfatória? Ou menos problemática?
Neste final de trabalho busco dar motivos de porque acredito ser o utilitarismo quem
lida melhor com o mundo. Vamos considerar os dois contos, um de cada vez. Em cada um
dos casos o que um utilitarismo (pensando no utilitarismo de Mill), poderia responder?

No caso dos cristãos, por ser uma teoria ética consequencialista, o utilitarista teria duas alternativas. Poderia negar que o prazer experimentado geraria a maximização da felicidade. Quer dizer, Mill, como vimos, disse que existem dois tipos de prazeres. Seguindo tal raciocínio, podemos classificar a morte de um ser humano para benefício de outros como algo distinto do prazer. Uma boa alternativa é adotar um utilitarismo de regra 10 .
O quinto capítulo do ensaio de Mill recebe o título de “Da conexão entre justiça eutilidade”. Lá Stuart Mill lança mão de dois conceitos: Deveres de obrigação imperfeita, e deveres de obrigação perfeita. O primeiro, diz respeito, ao ato de ser generoso e fazer caridade. Apesar de ser bom fazer tais ações elas não geram leis para pratica-las. O segundo, pelo contrário, gera direitos correlativos. Por exemplo, ao andar na rua eu não agrido ninguém, porque espero que da mesma forma ninguém me faça mal. Essa obrigação gera uma lei. Também poderia ser uma resposta para o primeiro caso.
O segundo problema, do mentiroso, pode ser respondido da perspectiva de um utilitarismo de ato. Mentir é compensado por salvar a vida de seu amigo, visto que, você ficará feliz por mantê-lo vivo. Duas pessoas felizes, é melhor do que uma infeliz. Assim a
mentira está justificada. É claro que, um deontologista pode argumentar que o utilitário não respeita o valor do
ser humano em si mesmo, pois sempre observa, antes de tudo, um cálculo e a possível consequência dele. Se por um lado, o deontologista pensa assim, por outro lado, o utilitarista tem orgulho de sua ética sempre fornecer um princípio de ação e uma motivação moral para o
agir. O utilitarista nunca fica sem saber o que fazer.

Considerações finais

É claro que não pretendo dar uma resposta final a pergunta “o que devemos fazer?”. O desafio lançado com este artigo é pensar as duas éticas e de forma despretensiosa indicar qual entendo ser a ética que fornece uma melhor resposta ao problema do bem viver. Como vimos, ambos projetos discordam quanto a fonte e obrigação. Justamente neste ponto aparece o grande diferencial do utilitarismo e que entendo como um prisma benéfico se comparado com os teóricos da intuição. Por não se basear nas intuições morais, o utilitarismo está constantemente pensando e sendo aplicado em situações transitivas do mundo. Enquanto
a ética baseada nos deveres parece estar congelada no tempo. Basicamente está é a crítica de

10 Seguir as regras morais é o fator que colabora para maximização da felicidade.

Mill. Em alguns momentos de seu ensaio Stuart Mill é bastante rigoroso com kant “Mas,quando começa a deduzir deste preceito cada um dos deveres efetivos da moralidade, fracassa, de uma maneira quase grotesca” (Mill, utilitarismo, 91). Mill argumenta que uma moralidade necessária e universal está presa no tempo. Por
exemplo, seria possível pensarmos em um imperativo categórico hoje? Para Sidwick, o intuicionismo não consegue elaborar guias precisos de ação para orientar o bem viver. Pensa que, se tivéssemos as mesmas intuições não discordaríamos das normas de conduta. Por isso, neste trabalho opto pela escolha do utilitarismo de regra e não pelo imperativo categórico. Por fim, termino afirmando que o utilitarismo não está imune a críticas. Os filósofos
ainda argumentam que é uma teoria que gera grandes casos de injustiça. Tais críticas sempre devem ser levadas a sério. Para uma discussão mais aprofundada é de suma importância fazer este exercício de diálogo entre as éticas. Porém, assumindo que o diálogo não vai encerrar a
discussão.

*(Existem várias defesas da teoria kantiana)

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