Em tempos de barulho, o silêncio é um tesouro empoeirado e esquecido, uma pedra preciosa abandonada no mesmo chão em que as pessoas caminham apressadamente levantando poeira e o escondendo cada vez mais para uma dimensão mais profunda da vida. Talvez, a medida da profundidade desse silêncio é a mesma da superficialidade cotidiana. Entretanto, com isso, não quero que me tomem como uma pessimista. Há muita beleza e verdade na vida, e eu as vejo e as sinto nos mais diversos momentos contemplativos que tenho a oportunidade de estar presente. A questão é que talvez nós estejamos caminhando cada vez mais para a incapacidade de sentir as preciosidades da vida, as quais se escondem na simplicidade da existência, no mais puro ser. A questão é se nós não estamos prostituindo nossos sentidos diariamente.
A impressão que eu tenho é a de que o barulho da vida da maioria dos meus contemporâneos está intimamente associado à velocidade com a qual vivemos. O silêncio é calmo. O silêncio é devagar. O silêncio é um vento suave que sussurra em nossos ouvidos nos trazendo clareza de pensamento. A velocidade é barulhenta, comprovamos isso empiricamente sem grandes dificuldades, basta que um objeto atravesse o ar em uma velocidade maior que a do som para que ele crie uma série de ondas de pressão à sua frente e atrás, gerando um efeito sonoro, fenômeno que denominamos: estrondo sônico.
Em verdade, desse barulho cotidiano, são poucas as vidas privilegiadas que estão realmente distantes, talvez aquelas que conseguiram seguir o belo princípio de felicidade apontado por Tolstói:
Uma vida tranquila e isolada no campo, com a possibilidade de ser útil à gente para quem é fácil fazer o bem e que não está acostumada que o façam; depois trabalhar em algo que se espera ter alguma utilidade; depois descanso, natureza, livros, música, amor pelo próximo – essa é a minha ideia de felicidade.
Trecho do livro “Felicidade Conjugal”, publicado em 1859.
Em alguma medida, todos nós estamos submetidos ao sons e a velocidade dos dias, mas, ainda assim, a chave para a busca da tranquilidade consiste na sua consciência disso e nas suas tentativas de separar pelo menos um momento por dia para permitir que o silêncio chegue, que as preocupações se acalmem e que se possa sentir as coisas. A respiração é a nossa maior aliada para isso.
Quando falo em barulho, estou pensando no sentido mais literal do termo, estou falando das inúmeras notificações do celular, do barulho dos carros, das pessoas nas ruas, etc. Todas essas coisas que são frequentemente inevitáveis em nosso dia e que perturbam nossas mentes, mesmo que não tenhamos consciência no momento em que as estamos vivenciando. O resultado disso tudo é possuirmos mentes velozes e barulhentas tal como o externo.
Se o barulho externo é quase inevitável, a saída é encontrarmos formas de encontrar o silêncio em nosso interior. Sem dúvidas ir para lugares calmos e naturais é um ótimo antídoto, mas na vida prática, nem sempre temos acesso a essas possibilidades, por isso, precisamos desenvolver a capacidade do silêncio em meio ao barulho. De todo modo, penso que mais importante do que dizer como isso seria possível através da respiração, meditação, atividade física e outras técnicas que pudessem se adequar ao cotidiano de cada um, seja lançar luzes à necessidade de buscarmos despertar nossa consciência para a importância do cultivo do silêncio interno e da calma para a nossa saúde mental e qualidade de vida como um todo.
No mais, é importante esclarecer que essas palavras não estão carregadas de juízos totalmente pejorativos no que diz respeito ao barulho, não estou julgando o barulho como um vilão irremediável. O barulho faz parte da vida, ele é condição essencial para diversas outras coisas, a velocidade também. Defendo apenas que precisamos nos atentar com mais frequência à qualidade de nossa vida interna, de nossa paz interior, uma vez que o silêncio é condição para a maturação dos nossos pensamentos e das nossas vidas.
Por: Isadora Tabordes
Fundadora dos sites Vida em Equilíbrio e Demasiado Humano. Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente é mestranda em Filosofia Moral e Política pela mesma universidade, trabalhando questões sobre o conceito de liberdade com ênfase no idealismo alemão.
Isadora também está presente no Youtube através do seu canal Relatos de Motocicleta.